30.3.06

A falta que malta desta nos faz II

Nas redacções assépticas onde hoje é proibido fumar e o chá substituiu os copos de wiskey, faltam homens de casaco de cabedal a cheirar a nicotina, daqueles que cospem no chão e se parecem com o Bogart. Faltam cigarros ao canto da boca e baforadas expelidas ao telefone. Falta o chumbo a correr nas veias e uma certa dose de loucura a passar pelos dedos. Faltam gangsters e não se ouvem tiros. It's all so quiet, it's all so...

25.3.06

Bermudas

Dantes o triângulo era uma forma sem arestas, como outra qualquer. Agora é puro arame farpado. Filho da mãe do Édipo.

23.3.06

Tédio

Alguém avisa aquele senhor lá em cima, que é suposto ter as chaves do céu e mandar no tempo, que JÁ CHEGOU A PRIMAVERA logo é favor fechar a torneira que já não basta tudo o resto e a malta ainda tem que se levantar de manhã (pronto, ao final da manhã) com uns janelões com muito céu e muito rio e levar com um sem fim de cinzento que nunca mais acaba para onde quer que se olhe. QUERO O MEU AZUL DE VOLTA.

PS- Como o senhor também tem as chaves do paraíso, troco de bom grado o bilhete de entrada pelo meu rio azul. De qualquer maneira, o inferno deve ser mais quentinho e as alminhas devem ser bem mais interessantes.

19.3.06

Chuva agridoce

Há um certo reboliço que nos cola costas com costas à cadeira e que nos mantém ali horas, em silêncio, a tentar embalá-lo. A chuva veio, mas não trouxe a calma habitual. Desperdicei cada gota como desperdicei cada minuto de tanto andar para trás e para a frente no tempo. Não quero desperdiçar tempo. Mas não quero aproveitar o tempo se for puro desperdício. Quero e não quero. Gosto tanto de não fazer nada como de fazer o que gosto, mas não gosto dos dias que não sabem a nada. Não gosto do que não sabe a nada. E a memória desse sabor tem atormentando as minhas papilas gustativas, que entretanto abriram uma pequena guerra aos maxilares. Estão costas com costas. Eles, primatas, porque querem agarrar, elas, sapiens, porque temem provar.

10.3.06

Paridade

(A huge Roman amphitheatre, sparsely attended. REG, FRANCIS, STAN and JUDITH, the People's Front of Judia inteligentia, are seated in the stands. They speak conspiratorially.)

Judith: I do feel Reg, that any anti-imperialistic group like ours must reflect such a divergence of interest within its powerbase.

Reg: Agreed. Rogers?

Rogers: Yes, I think Judith's point of view is very valid, Reg, provided the movement never forgets that it is the unalienable right of every man...

Stan: Or woman.

Rogers: ...or woman to rid himself...

Stan: Or herself.

Rogers: ...or herself...

Reg: Agreed.

Rogers: Thank you, brother.

Stan: Or sister.

Rogers: Or sister...where was I?

Reg: I think you'd finished.

Rogers: Oh. Right.

Reg: Further more, it it the birthright of every man...

Stan: Or woman.

Reg: Why don't you shut up about women, Stan? You're putting us off.

Stan: Women have a perfect right to play a part in our movement, Reg.

Rogers: Why are you always on about women, Stan?

Stan: (pause) I want to be one.

(pregnant pause)

Reg: What?

Stan: I want to be a woman. From now on, I want you all to call me Loretta.

Reg: What?

Loretta: It's my right as a man.

Judith: Well, why do you want to be Loretta, Stan?

Loretta: I want to have babies.

Reg: You want to have babies?!?!?!?!?!?!

Loretta: It's every man's right to have babies if he wants them.

Reg: But...you can't have babies!

Loretta: Don't you opress me!

Reg: I'm not opressing you, Stan. You haven't got a womb. Where is the foetus going to gestate? You're going to keep it in a box?

(Stan starts crying)

Loretta: Sniff.

Judith: Here, I've got an idea. Suppose you agree that he can't actually have babies, not having a womb, which is nobody's fault, not even the Romans', but that he can have the right to have babies.

Rogers: Good idea, Judith. We shall fight the oppressors for your right to have babies, brother. Sister! Sorry.

Reg: What's the point?

Rogers: What?

Reg: (pissed) What's the point of fighting for his right to have babies, when he can't have babies?

Rogers: It is symbolic of our struggle against opression.

Reg: Symbolic of his struggle against reality.


Monty Python's The Life of Brian

9.3.06

Borges

O frontispício do castelo advertia:
"Já estavas aqui antes de entrar
e quando saíres não saberás que ficas".

8.3.06

Die MMMMMMMMMMCCXXVIII
Annus Magnus XXVII

Cumpre-se hoje o décimo milésimo ducentésimo vigésimo oitavo dia de desassossego. Tudo junto, dá 28 anos. Parabéns. Esteve inspirado quem se lembrou de te chamar Rotativa.

2.3.06

Sem rasto

Ele tinha perdido o rasto. Voltou para trás à procura dos passos na areia. Já não havia passos na areia. Olhou para trás, que no caso era para a frente - nem rasto. Tentou calcar os pés na areia. Andou para a frente, outra vez para trás, agora para o lado. E os olhos não vêem nada, nenhum caminho fica neste chão. A memória dos passos perde-se nele. O andar não faz caminho neste chão. Não há caminho neste chão.