7.5.06

O parque da vila azul

Tinham comprado a carrinha por impulso. Antes de ser cinzenta riscada a laranja gráfico, foi respigo num coma de ferrugem. Hoje, havia uma criança de sardas e tranças a espreitar pela teia de tinta, criando ruído à decoração de “atenção, aqui seguem punks sujos e descompensados, com fortes instintos militares”. A pintura foi pensada para impressionar a estrada, desafio de guerra a cada perigo. A foto da criança foi colada para se deslumbrar ao primeiro instante de cada chegada.
Quando a compraram por impulso, estava parada entre uma carcaça de um táxi e uns ferros que um dia foram automóvel. Tal como a vedação que rodeava aquele cemitério auto-transportado dos arredores de Berlim, não batia certo. As rodas eram altas e robustas, o revestimento da carroçaria bruto e bélico, a cabine do condutor agachada e tímida. Lá atrás, nem uma única janela para respirar. ‘Apenas por 800 euros’, dizia o anúncio escrito à mão numa cartolina que se encolhia quando chegava ao ‘s’.
- Consigo chegar aos 500, lançou-lhe ele com aquele olhar ao qual ela só sabia responder com um abraço de lhe chegar aos ossos.
- Imagina que até consegues baixar para os 500, e depois, onde é que a guardamos?
- Pois, não temos lugar para ela. Não a podemos parar nem estacionar.
Foi ai que ela pegou nas suas ferramentas de serralharia e ele nos seus instrumentos equilibristas. Despediram-se do que tinham para se despedir e foram ver o mundo.